Jeremias 44 revela um paradoxo cruel: o povo foge para o Egito buscando proteção justamente no lugar de onde Deus os libertou séculos antes. Instalam-se em Migdol, Tafnes, Mênfis, cidades estratégicas e cheias de influência estrangeira. Mudam de geografia, mas não mudam de lógica. Reconstroem no Egito o mesmo culto que arruinou Jerusalém. Queimam incenso à Rainha dos Céus e defendem o ritual dizendo que “naquele tempo prosperávamos”. É a nostalgia distorcida transformada em teologia.
As mulheres afirmam que tudo ia bem enquanto faziam bolos para a Deus, prática associada a Ishtar/Astarte, muito forte no entorno egípcio. A presença judaica no Egito, inclusive registrada por Heródoto e confirmada por achados arqueológicos, mostra que não era apenas fuga: era assentamento. Eles estavam tentando recomeçar ali. Mas recomeços que se apoiam em velhos enganos não sustentam ninguém. O golpe militar que derrubaria Hofra, anunciado por Jeremias, prova que nem o Egito tinha o controle que prometia. A segurança buscada era ilusória.
O capítulo vira reflexão porque expõe algo recorrente: a tentativa de salvar o futuro repetindo o passado. A idolatria aqui não é só religiosa; é psicológica. É apego a explicações simples, rituais consoladores e memórias seletivas. É confiar mais em Tafnes que em transformação interior. Jeremias insiste que não é o território que oferece salvação. É a mudança profunda, aquela que rompe pactos invisíveis que carregamos sem perceber. Cada um de nós tem seu Egito, seu Hofra, sua “Rainha dos Céus”. O texto desafia: não adianta fugir se levamos o mesmo altar dentro do peito.