Esses dias eu vi uma análise sobre a trajetória recente da Microsoft que me chamou atenção por um motivo específico. Não era sobre produtos. Nem sobre tecnologia isolada. Era sobre algo mais silencioso, mas muito mais poderoso: comunidades. Quanto mais eu pensava nisso, mais tudo parecia se encaixar.
Quando Satya Nadella assume como CEO, em 2014, a Microsoft não parecia uma empresa derrotada tecnicamente. Parecia uma empresa desconectada. Tinha produtos, tinha escala, tinha dinheiro. O que ela não tinha mais era pertencimento. Desenvolvedores estavam em outros lugares. Profissionais se organizavam em outras redes. Usuários já não se viam “dentro” da Microsoft.
O primeiro movimento simbólico vem com o Minecraft. Não foi só uma compra de IP. Foi a aquisição de uma comunidade global, criativa, orgânica. E o detalhe mais importante: a Microsoft não tentou capturá-la à força. Manteve o jogo multiplataforma. Respeitou o ecossistema. Preservou a confiança. Ali, parece ter surgido um padrão: comprar comunidades, não sufocá-las.
Esse padrão fica ainda mais claro com o LinkedIn. Em 2016, a Microsoft não comprou uma rede social. Comprou o maior grafo de identidade profissional do mundo. Pessoas, carreiras, relações de trabalho. E, novamente, não houve imposição. O LinkedIn continuou sendo LinkedIn. Independente. Autônomo. Crescendo. O valor não estava apenas na receita, mas na densidade daquela comunidade.
O GitHub segue exatamente a mesma lógica. Em vez de adquirir uma ferramenta, a Microsoft adquiriu a casa dos desenvolvedores. Código aberto, colaboração, reputação técnica. A reação inicial foi de desconfiança. Mas, mais uma vez, a empresa manteve a comunidade intacta, investiu nela e deixou que crescesse. O Copilot não nasce do nada. Ele emerge dessa comunidade viva, ativa, produtiva.
A Nuance amplia essa visão para outro domínio. Não é apenas uma empresa de software médico. É uma comunidade de médicos, hospitais e práticas clínicas, onde linguagem, contexto e confiança são essenciais. A Microsoft entra ali não como dona do processo médico, mas como infraestrutura silenciosa que sustenta e amplifica essa rede.
No gaming, o raciocínio se repete. Minecraft, Bethesda, Activision. Não é só conteúdo. São milhões de pessoas conectadas por experiências, hábitos, tempo de atenção. A Microsoft não tenta empurrar essas comunidades para um único hardware. Ela conecta essas comunidades a um serviço, a uma infraestrutura, a uma lógica de recorrência.
Até a aposta em IA segue esse mesmo desenho. O investimento na OpenAI não é apenas tecnológico. É a conexão com uma comunidade de pesquisadores, desenvolvedores e empresas que constroem em cima desses modelos. A IA vira o elemento transversal que atravessa todas as comunidades já existentes: profissionais, desenvolvedores, médicos, gamers.
Quando se olha tudo junto, a estratégia parece menos sobre “vencer mercados” e mais sobre compor ecossistemas humanos. A Microsoft não está tentando ser o centro visível de tudo. Ela está tentando ser o tecido que conecta tudo. Comunidades independentes, mas interoperáveis. Autônomas, mas integradas por infraestrutura, dados e IA.
Talvez seja isso o mais interessante dessa história. A virada da Microsoft não começou com um produto revolucionário. Começou com uma decisão silenciosa: parar de tentar controlar usuários e passar a sustentar comunidades. O resto veio como consequência.
E isso, convenhamos, é uma lição que vai muito além da tecnologia.