Aprender uma língua é aprender um jeito de pensar. De sentir. De agir.
Uma pessoa só consegue ter as ideias que consegue expressar. Logo, vocabulário curto implica em pensamento encurtado.
Como expressamos, pensamos.
Vejamos o hebraico. Língua oficial em Israel. Ele não trata passado, presente e futuro como nós tratamos. Não organiza o tempo em caixinhas. Trabalha com aspectos e relações. Ação completa. Ação em curso. Ação desejada. Ação condicionada. Ação narrada. Ação antecipada. O tempo aparece pelo contexto. Pelo fluxo. Pelo gesto da frase. Para entender o tempo de qualquer coisa em hebraico, é preciso entender o contexto. Sempre. Senão é erro certo. Uma ação pode estar completa porque já aconteceu, está no passado. Ou porque é certeza de que será, estando no futuro.
Traduzir não é trocar palavras. É trocar de mentalidade. A língua fala sobre a cultura.
E aí entendemos por que Israel insiste em falar uma língua que quase ninguém fala mais. Não é teimosia. É sobrevivência. É identidade. É o jeito de manter vivo o jeito de pensar. A relação com o mundo. A relação com Deus.
Essa lógica aparece no próprio texto bíblico, que no antigo testamento é escrito originalmente quase todo em hebraico. O hebraico combina com o tipo de mensagem que a Bíblia entrega. Deus fala em estados. Em movimentos. Em conclusões que antecedem os fatos. O futuro vem escrito como passado porque está garantido. A promessa parece memória porque a palavra sustenta antes de acontecer.
E talvez o melhor exemplo disso seja quando Deus diz “Eu sou”. O hebraico usa Ehyeh. Um verbo que não fixa tempo. Não diz “eu fui”. Não diz “eu serei”. Diz presença. Diz continuidade. Diz ação e estado ao mesmo tempo. É identidade fora das caixinhas cronológicas. A língua não deixa reduzir Deus a um instante. Ela protege o sentido.
O hebraico obriga o leitor a buscar sentido no movimento, não no calendário. Obriga a perguntar como algo está, não quando ocorreu. Mostra que o tempo, no texto bíblico, não é linha. É sinal. É maturação. É o estágio em que a ação se encontra.
A língua registra essa visão. Preserva esse jeito de ler a história. Ensina esse modo de perceber o agir de Deus. E talvez essa seja a força do hebraico. Ele não descreve só eventos. Descreve o modo como um povo inteiro entende o mundo. E o modo como esse povo aprendeu a esperar.
Sempre disse que sou mais engraçado em português. Mais “negócios” em inglês. Mais exato em alemão. Agora sei que seria mais “teológico” em hebraico. Quantos mais eu posso ser? Quantas línguas consigo aprender?