Disseram que eu sou inclinado ao social-liberalismo. Eu ouvi, anotei, e senti um alívio discreto. Como se alguém tivesse colocado uma etiqueta legível em algo que, por dentro, é bem menos organizado.
Mas eu desconfio de etiquetas. Elas economizam pensamento. E, às vezes, economizam demais.
Se social-liberalismo é amar a liberdade e, ao mesmo tempo, não aceitar que liberdade vire desculpa para indiferença, então talvez faça sentido. Eu valorizo autonomia. Gosto de gente adulta, assumindo consequências, escolhendo com clareza. Mas também sei que “escolha” é uma palavra fácil na boca de quem teve opção desde cedo. Existem vidas que começam com uma dívida invisível. E cobrar mérito de quem nasceu devendo é um tipo elegante de crueldade.
Eu acredito em mercado. Em iniciativa. Em eficiência. Só que eu não acredito em idolatria. Mercado é ferramenta, não altar. E quando uma ferramenta vira altar, a gente passa a sacrificar gente para manter a crença.
Ao mesmo tempo, eu também desconfio do Estado quando ele se apresenta como pai. Pai demais infantiliza. E a linha entre proteção e controle é mais fina do que os bem-intencionados gostam de admitir. Eu quero um Estado que prepare o chão. Não um Estado que escolha o caminho. Eu quero regra clara, jogo limpo e rede para quem caiu. Não um abraço que vira coleira.
No fundo, a pergunta que me interessa não é “qual rótulo combina comigo”. É outra. O que eu estou tentando proteger quando falo de liberdade? Minha dignidade ou meu conforto? E o que eu estou tentando evitar quando falo de justiça social? A desigualdade em si, ou a culpa que ela me causa quando eu a encaro de perto?
Talvez social-liberalismo seja só isso. Um esforço de não trair dois valores ao mesmo tempo. Nem a liberdade do indivíduo. Nem a responsabilidade pelo outro. Um equilíbrio instável. Uma corda bamba moral.
Mas aí vem a parte mais incômoda. Em que situações eu aceitaria perder liberdade em nome de proteção? E em que situações eu aceitaria perder proteção em nome de liberdade? Quando isso me beneficia, eu chamo de “princípio”. Quando me prejudica, eu chamo de “exagero”.
Se eu for mesmo social-liberal, eu deveria ser capaz de dizer duas coisas sem gaguejar. A primeira: eu quero que as pessoas possam viver sem tutela. A segunda: eu não aceito que alguém seja esmagado só porque o sistema é “eficiente”.
E agora a pergunta final, que não é teórica. Ela é prática. Quando eu voto, quando eu compro, quando eu contrato, quando eu lidero, qual dessas duas frases manda em mim? Liberdade sem responsabilidade, ou responsabilidade sem liberdade?
Talvez eu esteja mais perto do social-liberalismo do que eu gostaria de admitir. Não por ideologia. Mas por incômodo. Porque eu não consigo romantizar nem o abandono, nem o controle. E quem não romantiza esses extremos, geralmente acaba morando no meio.
No meio é onde a gente perde aplauso. Mas talvez seja onde a gente ganha consciência.