07/04/2024

Quando vier a primavera

Outro dia, mergulhei nos pensamentos sobre Fernando Pessoa e sua capacidade de multiplicar-se em várias personas. Dentre essas, Alberto Caieiro se destaca para mim.

Alberto Caieiro tinha essa maneira de pegar temas complicados e desdobrá-los de forma simples, quase tocante, mas às vezes com uma ponta de dureza.

No poema “Quando Vier a Primavera”, Caieiro nos confronta com a dura realidade da nossa pequenez:

“Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.”

Essa reflexão, embora pessoal, ressoa com a experiência universal da mortalidade e da continuidade da vida além da nossa existência. É um lembrete de que a natureza segue seu curso, indiferente aos dramas humanos, ecoando a impermanência de tudo que consideramos eterno.

O mundo não vai esperar por ninguém. Ele segue em frente, implacável. Os lugares onde a gente deixa a nossa marca continuam, indiferentes à nossa ausência. A vida segue, quase sem sentir nosso breve momento aqui.

“Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.”

Essa ideia, de algum modo, traz um alívio. Caieiro captura uma alegria singular ao aceitar nossa insignificância. Nos faz perceber que, talvez, não sejamos tão centrais quanto imaginamos, ou como nossas atitudes dão a entender. Essa revelação nos conecta com um sentimento compartilhado de humildade e aceitação, parte fundamental da jornada humana.

As marcas que deixamos no mundo, com o tempo, se desvanecem até virar só uma memória, até que essa memória também se perca.

Meu pai, por exemplo, era um homem que em vida era impossível de ignorar, deixou seu círculo de amigos e a mim. Hoje, desses amigos, muitos também já se foram, e dele, resta a memória que eu, minha irmã, e algumas poucas pessoas guardamos, uma memória que a cada dia se torna mais difusa. Ele me deixou um anel, daqueles de outra época, cujo paradeiro agora me escapa. Essa história não é única para mim; em todo canto do mundo, as pessoas guardam relíquias de seus entes queridos, símbolos de amor e perda que, com o tempo, podem se tornar difusos na memória coletiva.

“Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando ela deveria vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.”

A inevitabilidade do tempo, assim aceita, não é tão sombria. O tempo não espera; ele simplesmente flui, indiferente aos nossos desejos ou protestos. Ele segue, constante e incansável, enquanto nós envelhecemos, caminhando dia após dia em direção ao inevitável. Esta é uma verdade universal, uma experiência compartilhada por toda a humanidade.

O tempo é infinito, e nós, meros instantes nesse continuum. Cada cultura, cada sociedade ao longo da história, teve que enfrentar esta verdade, buscando significado e aceitação na impermanência.

Tudo é real. Tudo está certo.

Se algo nos incomoda, isso reflete mais sobre nós do que sobre o universo, mesmo que o mundo afirme se importar. Ninguém, de verdade, se importa. Pelo menos, não de forma resistente ao tempo. Ele faz com que a água agitada acalme, que a revolta se dissolva, que paixões se arrefeçam, o quente esfrie, que o congelado derreta. Equilíbrio.

“Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar ao redor dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, será o que é.”

Assim, sob a influência de Caieiro, percebo que minhas preferências, em grande parte, importam pouco diante da imutabilidade das coisas. Tenho tentado praticar a ideia de preferir não preferir. De aceitar mais e tentar escolher menos. Isso tem me levado escutar mais e falar menos. Mas, acredite, nunca estive tão ativo. Mudando tanto.

As coisas são como são, indiferentes às nossas tentativas de moldá-las ou compreendê-las.

Antes de mudar o mundo, o mais sensato é modificar a forma como reagimos a ele. Há tempo de tudo e para tudo, mesmo assim, não vai dar tempo!

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