Lamentações 1 é tradicionalmente atribuído a Jeremias ou ao seu círculo e inaugura um livro curto, composto por apenas cinco capítulos. Apesar da brevidade, trata-se de uma das obras mais densas do Antigo Testamento. O primeiro capítulo funciona como porta de entrada: estabelece o tom, o método e a honestidade com que o sofrimento será tratado.
O texto nasce no contexto imediato da queda de Jerusalém em 586 a.C. A cidade está destruída, o templo incendiado, a liderança deportada e a vida institucional desfeita. Não é profecia nem advertência. É lamento posterior aos fatos, escrito por quem presenciou o colapso e agora tenta compreendê-lo sem ilusões.
Lamentações 1 é um poema acróstico. Cada verso começa com uma letra do alfabeto hebraico, de Alef a Tav. Essa estrutura aparece em outros textos bíblicos, como os Salmos 25, 34, 37, 111, 112, 119 e Provérbios 31. A intenção é didática: impor ordem literária ao caos da experiência. Quando a realidade perde forma, a linguagem tenta preservá-la.
Historicamente, Jerusalém é apresentada como uma cidade isolada e vulnerável. A imagem da viúva expressa a perda de proteção política, econômica e religiosa. As festas cessaram, o culto foi interrompido e os aliados abandonaram a cidade. O sofrimento descrito é coletivo e institucional, não apenas emocional.
Teologicamente, o capítulo introduz a noção de responsabilidade histórica. Jerusalém reconhece a ruptura que antecedeu a destruição. Não há vitimização, mas lucidez. Deus é invocado e permanece em silêncio, sinal da crise da antiga teologia de segurança automática ligada ao templo. Como primeiro capítulo de um livro curto, Lamentações 1 ensina que antes de qualquer reconstrução, é preciso compreender a perda e atravessar o luto com clareza.