Como lidar com crises? Entendo que o primeiro passo é reconhecer o momento. Estamos no antes, no durante ou no depois? Sem essa leitura, toda liderança corre o risco de ser correta no conteúdo e equivocada no tempo. Deixa eu compartilhar um framework que me ajuda a pensar melhor e também a comunicar com mais clareza como lidar com a crise. Chamo de IJE, e ele é inspirado em três arquétipos bíblicos bem definidos: Isaías, Jeremias e Ezequiel.
Isaías atua no século VIII a.C., quando Jerusalém ainda está de pé, o templo funciona e a estrutura política segue operando. É o arquétipo do antes da crise. Os sinais ainda são sutis. Resultados existem, mas custos ocultos crescem. Valores começam a ser relativizados de forma gradual. Há confiança excessiva na própria estabilidade. A atuação de Isaías é estratégica e preventiva. Ele amplia o horizonte e força a liderança a olhar adiante. Sua pergunta chave é simples e incômoda: se continuarmos assim por alguns anos, onde isso termina? O erro recorrente é descartá-lo como exagerado ou pessimista. Muitas crises começam ignorando um Isaías.
Jeremias surge cerca de um século depois, no final do século VII e início do VI a.C., quando a crise já está instalada. Pressão externa aumenta, decisões se tornam defensivas e o discurso começa a buscar culpados fora. Jeremias é o arquétipo do durante a crise. Ele não projeta cenários distantes. Ele insiste em causalidade. Nomeia escolhas, omissões e padrões que levaram exatamente àquele ponto. Seus sinais são claros. Crises recorrentes. Perda de confiança. Narrativas que tentam justificar tudo. Sua pergunta chave é direta e ética: o que estamos fazendo que nos trouxe até aqui? O erro clássico é isolá-lo para preservar o clima. Sem Jeremias, a crise se prolonga e se aprofunda.
Ezequiel atua já no exílio, antes e depois da queda final de Jerusalém em 586 a.C. O centro caiu, mesmo que alguns ainda neguem. É o arquétipo do depois da crise. O sistema perdeu identidade. As pessoas estão desorientadas. A tentação é tentar voltar ao que era antes. Ezequiel não permite essa ilusão. Ele torna o real inescapável e ajuda a enterrar o que precisa morrer. Sua atuação é simbólica, lúcida e reconstrutiva. Ele trabalha menos com performance e mais com sentido. Sua pergunta chave é dura, mas necessária: dado que caiu, o que precisa morrer de vez para que algo novo possa nascer?
Esses arquétipos são bíblicos, mas não ficam presos ao texto antigo. Eles revelam algo profundamente atual. Momentos diferentes exigem estilos diferentes de liderança. Antes da crise, visão e coragem preventiva. Durante a crise, verdade e responsabilidade. Depois da crise, lucidez e reconstrução de sentido. O erro mais comum não é falta de líderes, mas desalinhamento entre contexto e liderança.
Gosto de frameworks porque eles criam trilhos. Me ajudam a pensar antes e a comunicar melhor depois. O Framework IJE não serve para escolher um profeta favorito. Serve para reconhecer o momento histórico que se vive. Liderar bem não é dominar um estilo. É escutar a voz certa no tempo certo.