Ezequiel 8 se passa em 592 a.C., cerca de seis anos antes da destruição definitiva de Jerusalém. Parte do povo já vive no exílio babilônico, enquanto outra parte permanece na cidade. O templo ainda está de pé, o culto continua ativo e a monarquia ainda existe. Muitos acreditam que o exílio será breve e que Deus intervirá. É nesse intervalo entre a ilusão de estabilidade e o colapso iminente que o capítulo se insere.
Ezequiel, já deportado, está reunido com os anciãos quando tem uma visão em que é conduzido simbolicamente a Jerusalém e ao templo. O que ele vê não são falhas pontuais, mas um sistema religioso corrompido. O texto reflete práticas reais do final do período monárquico, marcadas por sincretismo. Influências egípcias e mesopotâmicas convivem com o culto oficial. Ritos ligados a Tamuz aparecem dentro do espaço sagrado. A religião segue as alianças políticas. Onde Judá busca proteção, dali também importa seus deuses.
O capítulo avança por camadas. Do portão ao interior do templo. Do visível ao oculto. Do povo à liderança. Quanto mais perto do centro institucional, mais profunda é a ruptura. O ponto mais grave não é a presença de ídolos, mas a lógica que os sustenta. Os líderes afirmam que o Senhor não vê. É a negação prática da providência e da responsabilidade moral. O culto continua, mas Deus deixa de ser critério e vira cenário.
Ezequiel 8 não anuncia um castigo futuro. Ele explica por que o juízo já está decidido. O texto não acusa a Babilônia, acusa Jerusalém. A cidade ainda funciona, o templo ainda opera, mas o centro já foi trocado. A destruição que virá não será um acidente histórico, mas a confirmação visível de uma queda interior.
O fechamento do capítulo nos confronta com uma pergunta simples e incômoda. Temos culto, linguagem religiosa e gestos preservados. Mas o que ocupa o centro? Ezequiel mostra que o problema não é abandonar Deus, mas misturá-lo. Quando Deus deixa de ser critério e passa a dividir espaço, o colapso não começa no exterior. Ele já começou por dentro.