Ezequiel 1 abre o livro com uma teofania situada com precisão histórica. Exílio. Babilônia. Rio Quebar. Quinto ano do cativeiro do rei Joaquim. O texto não começa no templo nem em Jerusalém. Começa no deslocamento. A localização não é neutra. É teológica. A revelação acontece onde a fé institucional já não se sustenta sozinha.
A visão se organiza em progressão. Primeiro, a tempestade vinda do norte. Força. Instabilidade. Poder histórico. Depois, os quatro seres viventes, com faces múltiplas e movimentos coordenados. Não há hesitação. Eles vão para onde o espírito os conduz. Em seguida, as rodas dentro de rodas, cheias de olhos. Mobilidade absoluta. Percepção total. Nada se move sem direção. Nada governa às cegas.
Acima deles, o firmamento. Acima do firmamento, o trono. No trono, a “semelhança como de homem”. O texto avança, mas freia. Insiste em “aparência de” e “como se fosse”. Não é imprecisão. É disciplina teológica. Deus se deixa ver o suficiente para afirmar soberania, mas se oculta o bastante para impedir apropriação. A linguagem protege o mistério. A visão impede a idolatria.
O efeito do conjunto é claro. O trono se move. A glória não depende de endereço. O exílio não significa ausência divina, mas reconfiguração da presença. Antes de explicar a queda de Jerusalém ou anunciar juízo, o livro estabelece quem continua governando a história. O caos visível não anulou o governo invisível.
O capítulo termina sem missão. Ezequiel não é enviado. Não é instruído. Ele cai. Escuta. Só depois, no capítulo seguinte, a palavra virá. A ordem importa. Antes de ouvir, é preciso escutar. A vocação profética começa quando o sujeito aceita não controlar a cena. Ezequiel 1 prepara o profeta reduzindo sua pressa e alargando sua atenção. A palavra só encontra espaço onde o silêncio já foi aprendido.