Chego ao Salmo 145. Um salmo acróstico.
Cada verso começa com uma letra sucessiva do alfabeto hebraico, com uma exceção.
A letra (Nun) está ausente na maioria dos manuscritos hebraicos tradicionais.
Mas aparece em alguns manuscritos do Mar Morto e na Septuaginta.
O versículo correspondente diz: “Fiel é o Senhor em todas as suas palavras, e santo em todas as suas obras.”
O conteúdo se encaixa perfeitamente no salmo.
Fala da fidelidade que sustenta. Da santidade que separa.
A ausência da letra, nos textos massoréticos, pode ter sido deliberada.
Talvez para evitar associação com queda — algo que não combina com o tom estável e elevado do louvor aqui apresentado.
O salmo é atribuído a Davi. O rei-poeta. Adorador antes de rei.
No hebraico, é o único com o título Tehillah — “louvor”.
O que chama atenção, já que o livro inteiro é chamado Tehillim — “louvores”.
Aqui, muitos veem uma espécie de síntese.
Um cruzamento entre louvor, memória e confiança.
A estrutura acróstica não é só estética. É símbolo.
Louvar com o alfabeto inteiro. Com toda a linguagem.
Com toda a vida. De A a Z.
No meio do salmo, um versículo se destaca: “Uma geração louvará as tuas obras à outra geração…”
Peso e ternura na mesma frase.
A fé não é só vivida. É contada. Transmitida. Celebrada em memória.
Passamos. Mas o que Deus fez, permanece.
Num tempo em que tantas vozes disputam a narrativa, falar das obras de Deus se torna mais que fé.
É resistência espiritual.
É continuar escrevendo, letra por letra, o louvor que atravessa gerações.