Em 27 de dezembro de 2025, morreu Lou Gerstner, aos 83 anos. A confirmação veio em comunicado da IBM, assinado por Arvind Krishna, atual CEO da companhia. Não foi apenas a morte de um ex-executivo. Foi o fechamento simbólico de um dos capítulos mais improváveis da história da gestão moderna.
Quando Gerstner assumiu a IBM, em 1993, eu estava começando na área. Tinha 14 anos. Observava a empresa de longe, torcia pelo OS/2 e romantizava aquele mundo corporativo que parecia sério, sólido e quase inabalável. Havia um livro do Peter Norton sobre IBM/PC na minha cabeça e uma ideia juvenil de que tecnologia era, antes de tudo, engenho e elegância técnica.
A IBM daquela época também parecia viva, mas já estava perdida. Analistas defendiam sua divisão. Investidores falavam em desmonte. A própria organização já não sabia explicar por que existia como um todo. Gerstner entrou sem prometer reinvenção épica. Entrou perguntando para quem aquela empresa servia e como, de fato, entregava valor.
A decisão mais contraintuitiva veio cedo. Não dividir a IBM. Mantê-la integrada. Apostar que o valor não estava nas partes isoladas, mas na capacidade de resolver problemas complexos de clientes grandes e reais. Dessa escolha nasceu a virada para serviços e soluções integradas, materializada na expansão da IBM Global Services. A tecnologia deixou de ser o fim. Passou a ser meio.
Em 2002, quando essa experiência virou livro em Who Says Elephants Can’t Dance?, eu já me destacava como programador. Estava firmemente no time Windows. Não pensava em usar Mac. O OS/2 não tinha dado certo. Aquele romantismo inicial já tinha cedido lugar à pragmática do mercado. Código precisava rodar. Plataforma precisava ganhar. Ideias bonitas não bastavam.
Talvez por isso as frases de Gerstner façam mais sentido com o tempo. Quando ele diz que o último lugar para começar é a tecnologia, está apontando para algo que só se aprende depois de errar bastante. Quando afirma que cultura é o jogo, descreve um mecanismo invisível que eu ainda não via aos 14, mas que se impõe a qualquer um que tenta construir algo durável. Quando alerta que visão sem execução é alucinação, desmonta boa parte do discurso que eu mesmo já repeti no início da carreira.
Hoje, como empresário, consigo apreciar ainda mais a ironia da história. Um líder rotulado como “não técnico” ajudou a repensar o negócio de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. Mas talvez isso seja injusto com ele. Gerstner pode não ter vindo do código, mas entendeu cedo que tecnologia sem contexto é ruído. Nesse sentido, talvez já merecesse, sim, ser chamado de tech.
No fim, a imagem do elefante dançando permanece não como metáfora otimista, mas como advertência. Elefantes dançam quando alguém aceita o peso que têm, o ritmo que conseguem sustentar e a realidade do corpo que ocupam. Liderar, às vezes, é apenas isso. Parar de fantasiar o futuro e assumir a responsabilidade silenciosa de organizar o presente.