Ezequiel 4 apresenta uma série de encenações simbólicas ordenadas por Deus para tornar visível a queda de Jerusalém. O profeta representa o cerco da cidade, carrega no próprio corpo o peso de anos de culpa e vive racionamento e degradação alimentar. O capítulo não explica o juízo. Ele o dramatiza. A mensagem é clara. A destruição não será súbita. Ela é resultado de um processo longo, acumulado e ignorado.
Historicamente, o texto nasce no contexto do exílio babilônico, antes da queda final de Jerusalém em 586 a.C. Ezequiel fala a um povo já deportado, mas que ainda não assimilou o significado do que está vivendo. Muitos enxergam o exílio como provisório, um revés político reversível. A função do profeta não é anunciar um desastre futuro, mas interpretar corretamente um colapso já em andamento, conectando o sofrimento presente a escolhas passadas.
Literariamente, Ezequiel 4 rompe com o profetismo discursivo tradicional. Não há poesia elevada nem retórica persuasiva. O texto é performativo, seco, repetitivo e desconfortável. A mensagem só se completa no corpo do profeta. A forma fragmentada e austera reflete o mundo que descreve. A encenação substitui o discurso porque a palavra, sozinha, já não é assimilada.
Homileticamente, o capítulo ensina que antes da restauração é necessária compreensão. Deus não consola primeiro. Ele esclarece. Ezequiel é o profeta do depois, aquele que faz lembrar onde ocorreu o erro e ajuda a discernir o que precisa morrer para que algo novo possa nascer. Sem assimilação, o sofrimento apenas dói. Com ela, o sofrimento educa. E só quem entende a queda pode, de fato, recomeçar.