Ezequiel 3 encerra o chamado profético deslocando o eixo da revelação. Não há mais visões grandiosas nem descrições do trono. Há missão. Depois de ver a glória, o profeta agora recebe responsabilidade. A palavra já foi entregue. Agora ela cobra forma. O texto deixa claro. Revelação não termina em contemplação. Deságua em incumbência.
O contexto segue sendo o exílio babilônico, mas o foco não está no trauma inicial. Está na resistência prolongada. O problema não é falta de entendimento, mas dureza deliberada. O povo entende e não quer ouvir. Por isso, a missão de Ezequiel não é persuasiva. É ética. Ele é constituído atalaia. Alguém que vê antes e responde por isso.
Literariamente, o capítulo articula três movimentos. Assimilação da palavra. Designação da função. Silêncio. O rolo é doce, mas não é leve. A missão é clara, mas não é confortável. E antes de falar, o profeta se cala por sete dias entre os exilados. A pausa não é omissão. É encarnação. A palavra precisa atravessar a dor antes de atravessar a boca.
E é nesse ponto que o capítulo revela sua lição central. Em Ezequiel 3, a responsabilidade moral não está no resultado, mas na fidelidade ao alerta. O pecado maior não é ser ignorado. É calar sabendo. O texto não promete que o povo ouvirá. Apenas deixa claro que o silêncio custaria mais caro ao profeta do que a rejeição. E, na Bíblia, ver antes e fingir não ter visto nunca foi neutralidade. É culpa compartilhada.