Ezequiel 2 muda o registro. Se no capítulo 1 o profeta foi esmagado pela visão, aqui ele é levantado pela voz. O texto não abandona o cenário do exílio. Ele o aprofunda. A glória aparece fora do templo. Agora, a missão nasce fora do aplauso. O chamado não procura um palco. Procura um chão.
Deus o trata por “filho do homem”. Não é carinho. É medida. Entre o trono e a poeira, Ezequiel precisa lembrar de que lado está. E então vem a ordem: fica em pé. Mas Ezequiel não se ergue por disciplina. O Espírito entra e o coloca de pé. A vocação profética não começa com coragem. Começa com sustentação. Há tarefas que a vontade não aguenta.
O destinatário é descrito sem romantismo. “Casa rebelde”. Rostos duros. Corações obstinados. O texto insiste. Não é apenas gente confusa. É gente resistente. Por isso, Deus redefine sucesso. Ezequiel falará “quer ouçam, quer deixem de ouvir”. A palavra não é condicionada à receptividade. O profeta não é gerente de resultado. É guardião de fidelidade. E, no fim, mesmo que rejeitem, ficará registrado: havia um profeta no meio deles.
A proteção oferecida é estranha. Não é “vou mudar o povo”. É “não temas”. Espinhos e escorpiões. O ambiente vai ferir. Vai intimidar. Vai pressionar por silêncio ou por adaptação. E o comando central aparece com uma ironia dura: não sejas rebelde como eles. Porque dá para resistir a Deus de duas maneiras. Negando a mensagem. Ou “melhorando” a mensagem até ela não doer mais.
Então o capítulo prepara o gesto decisivo. Um rolo. Escrito por dentro e por fora. Cheio. Sem espaço para edição. E o conteúdo não é confortável: lamentações, suspiros e ais. Antes de falar, Ezequiel terá de comer. A boca que anuncia precisa ser a mesma que engole. O profeta não entrega opiniões. Entrega algo que o atravessou.
Ezequiel 2 ensina um princípio simples e difícil. Há chamadas que não dependem de aceitação, só de obediência. E há verdades que não podem ser ditas por quem não as digeriu. A pressa quer falar logo. A vocação manda primeiro escutar. Porque, quando a palavra vira só discurso, ela perde peso. Quando vira alimento, ela vira testemunho.