Chego ao livro de Cânticos. Também de Salomão.
Imagino-o jovem, escrevendo no frescor da vida, quando o amor ainda é primavera e ousadia. Um diálogo de amor, tecido em versos que falam de um homem e uma mulher, mas que respiram mais do que romance.
Vejo a cena: ela, linda e morena do sol. Traz na pele a marca dos dias de trabalho, das vinhas que cuidou; vinhas que não eram suas. Formosa apesar das dificuldades. E percebo: a beleza não é ausência de luta; as vezes é o que a luta deixa, marcas que contam histórias. Assim também é a vida espiritual: não diminuída pelas feridas, mas revelada e fortalecida por elas.
Entre as linhas, ouço um eco maior. Essa amada é como o povo de Deus, que mesmo provado continua sendo objeto do seu deleite. É a alma que, queimada pelo sol das provações, permanece desejada pelo Amado. E o Amado não se afasta diante das marcas; as reconhece como parte da história que os une.
Salomão me mostra um jeito de amar: não morno, não cauteloso, mas intenso, sincero, alegre. Amor que não para no discurso, que se apressa para estar junto, que corre quando é chamado.
Reconheço nesse amor a forma como Deus ama e como espera ser amado: com prontidão, com desejo, com entrega total. Amor que não mede o custo para entrar na câmara do Rei, onde o encontro é completo e a alegria é plena.