Novembro de 2020. Não consegui escapar. COVID me pegou.
Na verdade, pegou todo mundo aqui em casa. Sogro, sogra, esposa, filho. Todo mundo ficou mal. Eu também, só um pouco menos. Pelo menos no começo.
Durante dez dias, senti quase nada. Os outros perderam paladar, olfato, tossiram muito. Eu tive só uma febrezinha. Mas, sendo dengoso como sou, parecia muito.
Até que as coisas pioraram.
No décimo dia, a saturação caiu. Pela manhã, 93. Fui ao pronto-socorro. Exames. Doze horas depois, 73.
A médica avisou: do pronto-socorro, o único destino seria a UTI. Quando houvesse uma disponível. Se eu conseguisse resistir até lá.
De muitas formas, já morri uma vez. Porque aquele aviso não me fez desistir, mas me obrigou a aceitar. E o que eu podia fazer?
Pensei nos meus filhos. Um já com vinte anos. Estava criado. Não seria fácil sem mim, mas daria um jeito. O outro com quatro. Pequeno demais. Também não seria fácil. Mas teria amparo.
Aceitei a ideia de partir. Senti o que acredito ser a Paz de Deus. E relaxei.
Felizmente, consegui vaga na UTI. Mas piorei. A saturação despencou. Não havia aparelho para entubação. Não conseguia levantar os braços. Fiquei incomunicável. Estava numa UTI caótica. Uma que salvava vidas, mas também perdia muitas. E ainda assim, comecei a melhorar.
No quinto dia de internação, percebi que não tinha ido ao banheiro. Número dois. Assim que me dei conta, senti vontade. Pedi para ir. Disseram que eu não podia. As alternativas eram a cama, a fralda ou uma bacia. Achei que a bacia seria a mais honrosa. Não foi.
A sensação era a de ter perdido tudo por fora. Só me restava me apegar ao que havia dentro.
Minha fé não me permite falar com os mortos. Mas juro que falei com meu pai. Talvez tenha sido delírio. Mas parecia real. Ele me perguntou o que eu preferia: quinze minutos com meus filhos ou o meu MacBook Pro novinho. Escolhi meus filhos, claro. O MacBook, que eu já tinha, ainda está aqui. Fica na mesa do meu escritório. Desligado. Não vendo. Ligo só de vez em quando. Quando algo não está bom, olho para ele e lembro que a vida é maravilhosa.
Felizmente, saí daquela UTI. Não cheguei a morrer de verdade. Mas perdi a conta de quantas vezes perguntei a Deus por que fiquei. Não sei se Ele respondeu. Mas um sussurro ficou na minha cabeça: a vida é muito curta para ser pequena.
Entendi. Por isso, da minha pequenez, sempre que posso escolher, escolho ser grande.
Minha segunda vida não veio sem problemas. Muito pelo contrário. Mas sou grato, sobretudo nas tribulações. Tento aprender com elas.
Não é sobre abundância nem sobre escassez. Essa experiência me deu um novo jeito de olhar. Um tipo de grandeza que carrego comigo. Aplico a tudo. Em tudo. O tempo todo.
A vida é curta. Mas não pode ser pequena.