Imagine um mundo onde cada ato de transparência fosse reconhecido e valorizado. Um lugar onde ser honesto e aberto fosse fácil de demonstrar. Infelizmente, o mundo real é mais complicado. Aqui, muitas vezes, encontramos um comportamento cínico que parece mais aceitável. Mas por quê?
Vamos começar com uma cena cotidiana. João, um funcionário dedicado, decide compartilhar os desafios que enfrenta no trabalho. Ele acredita que ser transparente pode ajudar a resolver problemas e melhorar o ambiente. No entanto, seus colegas recebem suas palavras com desconfiança. “Por que ele está dizendo isso?”, pensam. “Qual é o verdadeiro motivo por trás de suas palavras?”
Essa recepção fria ilustra um conceito filosófico conhecido como assimetria. Em filosofia, assimetria refere-se à desigualdade na facilidade de demonstrar certos conceitos. Por exemplo, provar a verdade beira o impossível para as coisas do dia a dia. Precisamos de muitas evidências para demonstrar que algo parece ser verdade. Mas, para desmentir, basta um único exemplo contrário. Provar a mentira demanda menos esforço.
Vamos aplicar essa ideia às virtudes. Demonstrar uma virtude, como a transparência, é muito difícil. Requer consistência, honestidade e disposição para se expor. Já o comportamento cínico, que implica desconfiança nas intenções dos outros, é muito mais fácil. Basta olhar com suspeita, questionar a sinceridade alheia e pronto. É como se a balança sempre pendesse a favor da dúvida.
Pense na afirmação “todos os cisnes são brancos”. Para provar isso, precisaríamos ver todos os cisnes do mundo. Mas, para desmentir, basta encontrar um cisne negro. Da mesma forma, ser consistentemente transparente é uma tarefa árdua, enquanto ser cínico é quase automático.
Essa assimetria faz com que o cinismo se torne mais comum. E, ao aceitar o cinismo, enfrentamos um problema: ele mina nossos relacionamentos. Quando a desconfiança prevalece, a comunicação se torna superficial, as intenções são mal interpretadas e as conexões humanas se enfraquecem.
Voltemos a João. Seu desejo de ser transparente não só complicou sua relação com os colegas, mas também mostrou o quanto é difícil sustentar virtudes em um ambiente predisposto ao cinismo. Intenções corretas sempre serão impossíveis de provar, mas, por outro lado, um deslize serve para provar a “impureza não manifesta”. Isso nos leva a refletir: se o cinismo é favorecido pela assimetria, como podemos cultivar a transparência?
Aqui entra um elemento teológico interessante. Cristo pregava a tolerância e a compreensão, reconhecendo empiricamente a assimetria presente nas relações humanas. Ele sabia que julgar os outros rapidamente e de forma absoluta favorece a desconfiança e o cinismo. Cristo nos ensinou a olhar além das falhas aparentes e a buscar a bondade interior, um verdadeiro antídoto contra a assimetria que leva ao cinismo.
Além disso, devemos fugir de visões absolutas. Visões absolutas sempre favorecem a assimetria que tende ao cinismo. Em vez disso, precisamos adotar uma abordagem mais equilibrada e compreensiva, reconhecendo que todos têm falhas e que a verdade pode ser complexa e multifacetada.
Podemos ver essa assimetria em outras áreas. No desenvolvimento de software, testes só provam que um programa tem bugs, nunca que não tem. Motivo? Assimetria. Em segurança, é impossível demonstrar que um sistema é absolutamente seguro. Uma única brecha mostra vulnerabilidade. Assimetria.
A resposta talvez esteja em criar um contexto onde a abertura e a honestidade sejam encorajadas e valorizadas. Onde os esforços para ser transparente sejam reconhecidos e onde erros sejam vistos como oportunidades de aprendizado, não como falhas de caráter. Será que estamos dispostos a fazer esse esforço em nosso dia a dia?
Então, por que as pessoas adotam um comportamento mais cínico do que transparente? Porque é mais fácil. Porque a assimetria das virtudes favorece o caminho da desconfiança. E porque reconhecer a bondade, a sinceridade e a validade de uma iniciativa requer um esforço constante e deliberado.
Se queremos um mundo onde a transparência prevaleça, precisamos estar dispostos a fazer esse esforço. Precisamos questionar nossas suposições, dar o benefício da dúvida e, acima de tudo, valorizar a abertura em nossas interações diárias. Só assim poderemos equilibrar a balança da assimetria e construir relações mais fortes e genuínas. Vamos fazer esse esforço juntos?